A VÍTIMA
POR TRÁS DA DELIQUENTE: EXPERIÊNCIAS PASTORAIS COM DOENTES MENTAIS PRESAS
O bolo de chocolate tão desejado |
Aos 29 anos, S.S.S teve a primeira festa
aniversário, organizada pela Pastoral Carcerária em 30 de agosto. O sorriso fácil
esconde uma trajetória de sofrimento, agravada pela associação da doença mental
com a dependência química. Presa há dois anos, a jovem vive isolada na
penitenciária Ana Maria do Couto (Cuiabá), sem atividades, contato com outras
presas ou apoio familiar: “Eu não tenho
nada para fazer, ninguém para conversar”, diz.
Estima-se cerca de 50 mil doentes mentais em
unidades prisionais comuns no Brasil. Porém, o próprio DEPEN não sabe a quantidade
exata, situação que pode ocultar prisão ilegal de pessoas considerados imputáveis
pela Justiça e que deveriam estar em casas de custódia. “Como o Governo fechou
os hospitais, os doentes mentais estão jogados pelas ruas, estão sob os
cuidados das famílias – que nem sempre tem como ou sabe como lidar com este
tipo de situação – ou nos presídios”, denunciou o psiquiatra Juberty de Souza, no
Fórum de Urgência e Emergência em Psiquiatria, em fevereiro.
O resultado de uma política perversa, onde o doente
mental é colocado em situações ainda mais desumanas que dos encarcerados comuns,
pôde ser visto na vida de S.S.S, encontrada seminua, dormindo no chão de uma
cela imunda, sob efeito de fortes medicamentos e impedida de ter objetos
indispensáveis, como agasalho, colchão e material de higiene, tudo em nome da “segurança”.
Situação tão degradante que a Pastoral Carcerária passou a intervir, reclamando
insistentemente por melhores condições para a paciente.
O fato é que nos últimos meses S.S.S melhorou. Se antes
não reagia, hoje espera ansiosamente pelas “irmãs” da pastoral. Ganhou atenção especial dos sacerdotes e nos
serviços de escuta. Aos poucos foi revelando a vítima por trás da delinquente:
a infância violenta, o abuso sexual, o contato precoce com as drogas, a vida
nas ruas, o filho único entregue compulsoriamente a adoção, a imensa saudade do
irmão e, finalmente o “B.O” – maneira com a qual se refere a tentativa de
homicídio contra a mãe quando estava sob efeito de drogas, combustível de sua
insanidade. Sofrimento que não esqueceu no dia de sua primeira festa de aniversário.
A simplicidade da reunião, com cerca de 16
mulheres, tornou ainda mais bonitas as demonstrações de carinho das colegas de
prisão, dos visitantes religiosos e de alguns agentes penitenciários, enfermeiros
e policiais, visivelmente comovidos com um dos raros momentos de humanização em
uma unidade muito tensa.
Mulheres presas organizam espaço para recebe a aniversariante |
Infelizmente, dia 30 de agosto foi uma exceção na
vida de S.S.S. As condições de moradia não são das melhores e a paciente
precisa de atividades, socialização e acompanhamento psiquiátrico, especialidade
em falta no SUS. Sem consultas e medicação apropriadas, a paciente pode sofrer uma
nova crise, colocando todo o progresso conquistado até aqui a perder.
Paciente mental no dia da festa com a agente pastoral carcerária Rosana, em um dos raríssimos momentos em contato direto com as pessoas. |